Criou-se um pequeno tumulto. O hospital estava cheio. As pessoas acompanhavam com atenção, o esforço daquele homem que, com uma força sobre-humana carregava o irmão.
Os enfermeiros puseram Zeca prontamente na maca e levaram-no até uma sala. Miguel foi impedido de acompanhar o irmão. Até que, antes de adentrarem na última porta à direita daquele escuro corredor, Miguel ouviu:
- Ele está vivo. Ele está vivo – gritaram os médicos ao aferir a quase imperceptível pulsação de Zeca, que agora, estava sendo conduzido àquela fria sala de cirurgia.
Àquela altura, toda a família já se encontrava no hospital. D. Beatriz acompanhava apreensiva, aqueles instantes de tortura a espera de noticias do filho. Senhor Germano acompanhava tudo com perplexidade e frieza. Joelma e Miguel abraçavam-se, consolando um ao outro. Foi nesse momento que o médico chegou cabisbaixo e disse:
- A cirurgia é arriscada. Nós não temos os equipamentos necessários para este procedimento, e, portant
Qual seria finalmente o seu verdadeiro motivo? Quem é você?-Não sei. De repente, alguém que você gostaria de encontrar novamente. Esse poderia ser um bom motivo.O silêncio se estabeleceu entre os dois. Zeca procurou na memória algum fragmento de familiaridade ou algo que pelo me-nos o fizesse reconhecer.-Desculpe, mas esta conversa está muito confusa. Realmente não me lembro. Não quero parecer grosseiro...-Sei que não – interrompeu amavelmente – Mas acho que deve-ríamos apenas jogar conversa fora e deixá-la fluir naturalmente.-Não tenho tempo.Engraçado. Não sabia por que havia dito aquilo. Não tinha nenhuma noção de onde estava ou para onde ia.-Imagino que eu não seja a pessoa por quem procura – falou finalmente.-É sim. É você mesmo.Zeca suspirou.-Afinal, o que quer de mim?-Vamos caminhar.Ao abrir os olhos, Zeca foi ofuscado pela forte luz do ambiente.Ouviu o ruído da própria maca que o levava
O vulto atravessou a escuridão da noite.Seus passos eram contínuos e precisos.A noite estava silenciosa e somente o som dos seus passos sobre os cascalhos do chão quebrava a monotonia.Lembranças.Muitas lembranças pegavam aquela pessoa desprevenida.Tudo fazia lembrar.Qualquer situação era motivo certo para o passado tornar-se presente com momentos de recordações cruéis e persistentes que não deixavam esquecer nem cicatrizar as feridas.Ao atravessar o bosque, a pequena casa surgiu.Entrou rapidamente e deixou-se cair sobre a cama. O corpo estava cansado e trêmulo.Sabia que, de alguma forma, sua raiva não cessara.Apenas ficara guardada para vir à tona com tal intensidade que o seu desejo de vingança não permitiria mais cautela.
Um copo fumegante alcançou o campo de visão de Miguel.-Você precisa de um café.Joelma continuava linda, mesmo com os cabelos desgrenhados, a roupa amarrotada e o rosto pálido e cansado.Todos estavam exaustos.Apesar dos protestos, conseguiram fazer com que sua mãe fosse descansar, com a promessa de um telefonema para qualquer noticia.A declaração ao delegado sobre o ocorrido não ajudou muito. Tudo acontecera rápido demais. Tudo muito trágico e dolorosamente familiar.-Sei que pode parecer um pouco insensível – disse Joelma, inter-rompendo seus pensamentos – Mas, não consigo pensar em nada, nem questionar e nem saber a razão.Dava pra perceber que ela estava sofrendo.-É horrível pensar que tem alguém que odeia tanto meu marido ao ponto de querer matá-lo.Sentiu-se culpado por querer sentir o toque e a pele da mulher do irmão para o qual agora teria uma eterna dívida de gratidão.Quem estaria por trás disso?Pelo q
Miguel!A voz de sua mãe chegou aos seus ouvidos.-Sim, mãe?-Achou seu irmão?-Acho que sim – respondeu estreitando os olhos à procura do desertor.-Então vá chamá-lo!Zeca balançava tranquilamente sobre a rede amarrada em dois troncos de figueira.Não abriu os olhos quando ouviu o som de passos se aproximando.-Você conseguiu me achar.-É – sentou-se no chão apoiando as costas em uma das árvores – Não deu pra te dar cobertura por muito mais tempo. Você vai ter que ir nesse evento.-É, parece que sim. Será que não haveria uma maneira de mamãe me liberar desse tormento? Tenho tantas coisas para pen-sar, resolver... Por exemplo, já sei o que vou fazer pelo resto da vida: vou me dedicar à música.Miguel riu.-Assim como você queria ser astrônomo!-Confesso que foi apenas um sonho. Mas desta vez, vou me dedicar à arte das melodias. Mudarei meu nome para algo extravagante e totalmente original.José Carl
Já passavam das duas da manhã e a sala de espera do hospital, agora silenciosa, abrigava parentes aflitos e angustiados a espera de noticias.Miguel e Joelma ainda estavam inclusos nessa categoria.Haviam passado mais de 48 horas e nenhuma informação.Joelma dormia apoiada em seu ombro vencida pela exaustão. Ele mantinha-se acordado.Seu desejo o mantinha acordado.Estava queimando por dentro.-Meu Deus, isso é loucura! Meu irmão entre a vida e a morte e eu tendo pensamentos eróticos com a mulher dele!Miguel afastou as mechas ainda úmidas do banho, olhando- se no retrovisor.-Não se preocupe cara. Tá bonito. Não é a toa que se parece comigo!Ao contrário do irmão, Zeca não teve tanto esmero ao vestir-se para a festa.Miguel fôra bastante cuidadoso ao escolher cada detalhe do que vestiria, afinal de contas mesmo sendo gêmeo, isso não sig-nificava que ele possuía o charme do irmão.Mesmo assim, o fato de Zec
A festa transcorreu bem, sem nenhum incidente exceto o fato de Zeca ter sumido por duas horas para retornar com um sorriso largo e os olhos brilhantes.-Ih, já vi que viu um passarinho verde!-Verde não, meu irmão. Azul, amarelo, vermelho, bicolor, tricolor... Todas as cores possíveis.“É mulher” – pensou Miguel.Seu irmão tinha uma facilidade para se apaixonar surpreendente.-Quem é dessa vez?Ofereceu seu saquinho de amendoins onde o irmão se serviu de alguns grãos e começaram a caminhar.-Por acaso seria a musa para suas inspirações musicais?-Você é muito esperto!-Sou seu irmão gêmeo, lembra? Posso ler seus pensamentos.Mais tarde, deitados em suas respectivas camas, os irmãos ain-da conversavam.Miguel ficou sabendo que Zeca havia marcado um encontro para a próxima sexta, dali a cinco dias, onde iria ser comemorado o aniversário de um vereador da cidade.Porém, o mais importante, Zeca não havia contado.
Miguel ouviu alguém pigarrear e levantou os olhos de uma revista que pegara para distrair a mente.Tocou levemente no braço de Joelma.Esta despertou de imediato.-O senhor José Carlos já foi operado. As balas foram retiradas e apesar de uma delas ter perfurado o abdômen, não atingiram nenhum órgão vital. A cirurgia foi muito delicada, mas ele resistiu bem. Amanhã ele já deve poder retornar ao hospital da cidade de Folhagem.-Graças a Deus! Podemos vê-lo doutor?-Infelizmente não. Ele está agora em observação. Vamos ver como ele reage as primeiras 12 horas.Dito isto, o médico afastou-se.-O doutor está certo –tentou consolar Miguel – Ele está muito fraco e precisamos evitar qualquer tipo de emoção. Ele tem que se recuperar. O importante é que o pior já passou.Joelma assentiu e se jogou em uma cadeira próxima.-Deve estar sendo difícil pra você também não é?Miguel sentiu aquele frio na barriga.-Sim. Muito. – murmur
Porém, antes de ir embora, tinha que obter respostas para algumas questões não respondidas.Quem tentou lhe matar? Por que tentaram lhe matar? Alguém tinha muito que explicar.Miguel nunca fôra violento, mas era um homem de ação. Iria até o fundo para descobrir o que estava acontecendo na outrora pacifica Folhagem.Visitaria o delegado Aníbal assim que saísse do hospital. Na verdade, antes disso, precisava dormir. Talvez algumas horas de sono ajudassem a clarear sua mente que se encontrava congestionada de perguntas.Porém, como dormir frente à tamanha agitação?Como locomover-se atrás de respostas se agora tinha que andar com dois policiais em seus calcanhares a fazer-lhe proteção?Afinal, ele ainda era o principal alvo. O assassino, fosse quem fosse, não mirou em Zeca. O irmão que, heroicamente, jogou-se frente à bala.A lembrança do momento exato do sacrifício do irmão ficara em sua mente como um vulto confuso.Aquele crucial moment